Outrora a viagem era um luxo. Hoje é algo que se começa a tornar comum. Os preços baixam, os passageiros aumentam, nem sempre na mesma proporção, mas de uma forma que em muito democratizou o acto de viajar. Democratizou?
Entro no avião e vejo gente que não imaginei que existisse dentro de um. Gente de todos os estratos sociais. Isso agrada-me. Já não é preciso emigrar de carro, com a casa amarrada no tejadilho com uma corda atada em cruz e presa aos ferros da carrinha. Já não é preciso esperar três ou quatro dias, talvez cinco, a mandar calar os filhos, a mandar «estes condutores estrangeiros à merda», para chegar a França.
Paris já não tem de sentir o suor da chegada desse imigrante. Sim, imigrante. Bem-ditos sejam para o país que os acolhe. Bem-ditos os que não esquecem o país nem se enchem de grandeza. Que fariam os patrões para quem eles chapam massa nas obras se os vissem ao volante do BMW serie 7 com que passam a fronteira de Portugal? Rir-se-iam depois de verem o porta-chaves da Rent-a-car preso à chave?
Não. Não democratizou. Há ainda objectivos diferentes. É possível ter dois turistas, que passam o mesmo tempo na mesma cidade, visitando os mesmos monumentos à mesma hora. As experiências são iguais, os momentos idênticos e ainda assim as recordações, o proveito e a utilidade são diferentes. Um chegará a casa e dirá que gostou. O outro chorará o regresso.
Chego a casa e choro o regresso. Da próxima, prometo, fico lá mais tempo. É sempre assim. Um regresso penoso que me leva a querer ficar, a não querer deixar para trás aquilo que sinto ser meu. As cores são diferentes, os cheiros mais intensos. Talvez seja só esta película que me embota os olhos.
Ainda ninguém percebeu que deixar passar estas coisas é como foder e acordar de manhã sem se lembrar? Ninguém entende que, se aquilo que se come tem de ser digerido, também aquilo que se vê merece uma digna reflexão?
Que a reflexão se torne um sonho. Que assim seja. Mas deixar tudo num limbo de perdição, ver, passar, andar com o passo fustigado por uma pressa que não se pode mudar, é pior do que não percorrer. Deixar que as coisas se traduzam num simples «fui» e não se reúnam num completo «foi», numa descrição silenciosa que só o olhar expressa…
Há quem mostre, assim, não merecer.
Sim, é verdade. Agora vamos?
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