Friday, March 21, 2008

Liberdade por Ana Margarida Ferreira

Sofia não gostava de crianças. Era uma pessoa egoista, fria e feliz. Sofia morava sozinha num apartamento de luxo na Costa. Tinha um trabalho interessante como designer de interiores. Sofia não tentava parecer feliz numa vida sem sentido. Era-o mesmo. Volta e meia levava um homem lá a casa, passavam a noite juntos. Nunca mais de três vezes com o mesmo homem. Sofia não gostava que se apegassem a ela. No verão ia um mês para as caraíbas, grécia, méxico, nova iorque. No inverno ia passar o natal sempre a um sítio diferente. Sempre sozinha. Sofia não criava laços. Gostava de ser livre, dizia.

Não suporto estar aqui dentro. Morro se aqui fico mais um dia qual pássaro enjaulado. A vida não é isto, não pode ser só isto. Sonho com o mar e com as montanhas verdes caiadas de branco no inverno, com as andorinhas a chegar na primavera depois de uma longa viagem. Com o calor do sol no peito e os grãos de areia a escorrer por entre os dedos. Anseio pela primeira trinca numa maçã suculenta e ácida e por uma descida acentuada de bicicleta com as mãos no ar. Louco. Insane. Demente. Senil. Assim me internaram neste asilo de gente perdida livremente por entre os mundos criados na sua cabeça. Assim me enfiaram aqui quando comecei a pensar de maneira diferente. Senil. Demente. Insane. Louco.

Eu sou a personagem de um livro. O meu nome é Penélope. Estou aqui presa e gostava tanto de ser real. Vivo através de vós, leitores. Vivo a minha vida do início ao fim de cada vez que cada um de vós abre este livro. Eu gostava tanto de viver aí convosco. A minha vida foi ditada pelas mãos de um homem que com uma caneta vermelha com letras douradas me inscreveu no papel. Primeiro um nome. Penélope. Depois uma história. Curta e trágica a minha. E assim estou aqui, presa, nesta existência que vos faz rir e chorar a vós. Marioneta. Há alguns de vós que gostam de mim, outros comovem-se e choram. Ainda os há, aqueles que me odeiam. E eu assim fico, eternamente presa e marioneta na minha vida que não é minha. Não quererá algum de vós leitores, libertar-me desta minha existência?

Ela chama-se G. e preza acima de tudo a sua liberdade. Ela não considera que ser livre é ser só e fazer tudo o que quiser. Para ela isso é ser solitário. Ela adora ler e adorava um dia poder libertar a personagem de um livro e trazê-la para a vida real. Ela gosta de voar. Voar mesmo. Não num avião. O quê? Não sabiam? Podem voar sempre que quiserem, não precisam do avião para nada. Ela não vive só, está rodeada de gente que quer saber o que ela faz e o que não faz e para onde vai. Ela está rodeada de gente que a adora. Ela acha que ser livre é correr de braços abertos pela praia com os pés na espuma das ondas, é andar na mais alta montanha russa e berrar muito na descida, é pegar um bebé recém-nascido nos braços e vê-lo sorrir pela primeira vez, é ler um livro e imaginar o seu próprio final como ela mais gosta. Livre. Para ela, se alguma imagem houvesse de liberdade, era um enorme sorriso e os braços bem abertos, no topo de uma colina, preparando-se para voar.

Ana Margarida Ferreira
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