Fecho os olhos.
Olho…
Tento ver-me.
Esforço-me mais, tento ver-me.
Tento esvaziar a cabeça cheia de tudo e de nada.
Tento ver-me.
Esforço-me mais.
Abro os olhos, olho em volta com estranheza.
Quero ver-me.
Ouvem-se sinos ao longe, numa melodia monótona, mecânica, pausada…
Tento ver-me, esforço-me mais.
Ouço. Tento ouvir-me com clareza.
A respiração rápida, atabalhoada.
O silêncio envolvente.
Tento ver-me, esforço-me mais.
Respiro. O ar que respiro, que é meu, que sou eu, não tem cheiro.
Respiro mais profundamente, tão profunda e lentamente que me faz doer o peito.
A dor de peito que é minha, que sou eu.
Tento ver-me, esforço-me mais.
A melodia doentia, gritante, ensurdecedora, precisamente um passo atrás de mim.
Não posso virar-me.
Tenho que ver-me primeiro.
Estou a um passo, não posso recuar.
Os sinos…
Tento ver-me, esforço-me mais.
Gemidos ensurdecedores soprados ao meu ouvido.
Concentro-me, tento compreender.
Tento ver-me, esforço-me mais.
Quero ver-me!
Quero ver-me!
Quero ver-me.
Fecho os olhos, esforço-me mais.
Um fluído negro brilhante percorre-me o peito.
Corrompe-me.
Aliena cada partícula de mim, não sei o que sou.
O fluido negro preenche-me, sou o próprio fluido, sou angústia.
Tento ver-me, esforço-me mais.
Uma voz bem real soa, estridente, ensurdecedora.
Mexe-me com as entranhas, altera o fluido negro.
Fecho os olhos com mais força.
O fluido negro, torna-se mais espesso, entranha-se em todas as partículas de mim.
Espesso, mais espesso. Corrói ao passar.
A respiração aumenta de velocidade.
O coração que num pulsar monótono espalha o fluido negro por todos os recantos de mim.
A ira.
Sou o fluido negro, sou a ira.
Começo a tremer inevitavelmente.
A ira crescente no meu peito. A ira crescente em mim.
Sou a ira.
A destruição eminente.
Tento ver-me, esforço-me mais.
Vejo não amor-próprio.
Olho com mais atenção.
Quero ver-me.
Quero ver-me.
O processo foi interrompido pela voz.
O sussurro gritante por detrás de mim desaparece.
Não posso ver-me agora.
A ira.
O caos eminente.
O grito…
O grito…
O grito…
O grito…
O grito.
Estou limpa.
Recomeço.
Tento ver-me, esforço-me mais.
Fecho os olhos, quero ver-me.
Respiro fundo, quero ver-me.
Ouço com mais atenção, quero ver-me.
Toco-me, quero ver-me.
Engulo em seco, quero ver-me.
Nada…
Nada…
Nada…
Nada…
Nada.
Quero ver-me, esforço-me mais.
Fecho os olhos, respiro fundo, ouço com mais atenção, toco-me, engulo em seco, o primeiro que me ocorre antes de ser invadida pelo caos de pensamentos sujos, inoportunos e desnecessários, és tu.
Quero ver-me, não quero ver-te.
Vejo o não amor-próprio.
O amor por ti, que é um amor não amor.
O não amor por ti que é obsessão!
Quero ver-me, não quero ver-te. Esforço-me mais.
Cerro os olhos com força, tanta força que me correm lágrimas de sangue pelo rosto; respiro como se da última vez se tratasse, tão profunda e pausadamente que o coração explode dentro de mim; ouço com mais atenção, ouço a folha dourada que se desprende da árvore e toca o chão ao de leve; toco-me com paixão, arranho o corpo, arranco a pele apaixonadamente; mordo a língua e engulo em seco para sentir o sabor do meu sangue, para me sentir, para me beber.
No entanto, o primeiro que me ocorre, um segundo antes de ser invadida pela frustração, és tu.
Quero ver-me, não quero ver-te.
Esforço-me de mais.
Quero ver-me, esforço-me mais…
Mas é inútil.
Por mais que me esforce, por mais que tente ver-me, é a ti que vejo.
Precisamente como se fosse através de ti.
Preciso de ver-me.
Preciso de saber a verdade…
Os meus olhos não me mostram.
Por mais que me esforce, por mais que me doa.
Quero ver-me.
Quero ver-me.
Quero ver-me.
Vejo o não amor-próprio.
O amor por ti, que é um amor não amor.
O não amor por ti que é obsessão!
Preciso que sejas através de mim, ou que morras em mim.
Preciso de ser, de saber ser.
Não sei ser.
Não sei o que sou.
Mas sei que és muito.
Que és o primeiro que me invade antes de tudo o resto…
Quero ver-me.
Quero saber ser.
Quero ver-me.
Vejo o não amor-próprio.
O amor por ti, que é um amor não amor.
O não amor por ti que é obsessão!
Fecha os olhos com força, o máximo de força possível, tanta que as tuas pálpebras possam colar-se e nunca mais te deixem ver para fora de ti...tanta que em mim que sou através de ti, as minhas pálpebras se colem para nunca mais se abrirem para fora de nós.
Respira fundo, tão fundo, tão pausada e profundamente que todos os teus orgãos expludam dentro de ti, e te façam morrer para o mundo… tão pausada e profundamente, que em mim que sou através de ti, o impacto da explosão destrua todos os meus orgãos e me faça morrer para o mundo.
Ouve com mais atenção, ao ponto de conseguires ouvir os meus orgãos a explodir em sincronia perfeita com os teus, ao ponto de te ouvires na minha cabeça, ao ponto de ouvires o meu coração a bater do outro lado do mundo.
Toca-te apaixonadamente, arranca-te a pele com garras animais, ama-te inevitavelmente, tão apaixonadamente que a mim que sou através de ti, me invada a sensação de me estares a rasgar a carne, de te estares a cravar na minha pele.
Engole em seco, morde a tua própria língua, e engole o fluido doce que se liberta, de tal forma que eu que sou parte de ti, sinta a língua arrancada e o sangue a fluir, até que o próprio sangue me asfixie, e me mates para o mundo.
E a um segundo do fim, enquanto me apagas entre convulsões macabras e um misto de prazer e dor, numa simbiose onde o não amor impera, mostra-me o que viste, mostra-me o que sou.
Quero ver-me…
Diana Martins
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Thursday, February 21, 2008
O não amor por Diana Martins
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2 comments:
Fez-me lembrar José Luis Peixoto. Muito bom :)
O Peixoto, mas em versão mais testamenteira! Não sei como tiveste paciência de ler até ao fim. Só depois de ter enviado percebi que me excedi!lol
De qualquer das formas, gosto muito do Peixoto, muito mesmo. Foi um grande elogio para mim!
Ainda bem que gostaste!:)
Diana Martins
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