Monday, June 23, 2008

Editorial

A administração do Arcádia XXI decidiu retirar o cargo de editor à pessoa encarregue por tal trabalho este mês. Publicam-se os trabalhos sob o tema "O vício" por respeito às pessoas que trabalharam para o Arcádia XXI. O editor e o tema do mês de Julho serão divulgados brevemente.
Saudações Arcadianas!

M no Céu por Celi M.

Vício de Ti por Ana Margarida Ferreira

Anda cá! Deixa-me ver-te e cheirar-te mais uma vez. Deixa a tua mão entrelaçar-se na minha como outrora. (Já não sei onde deixar as mãos agora). Não vás, por favor, fica comigo. Fica comigo que estou sedenta de beijos e de mimo. Teus. Deixa os teus olhos perder-se nos meus, deixa-os mergulhar profundamente em mim, não sonhas como isso me preenche e me sacia a alma e o ser. Fica só desta vez. Prometo que to não volto a pedir, já que sei que tens de partir e que meu já não és mais. Toca-me com a ponta dos dedos e sente a minha pele a arrepiar-se de prazer. Enterra o teu rosto no meu peito e deixa-me
assim
m o r r e r
Não. Por favor, não me deixes hoje, não me deixes hoje outra vez, não o suporto, não me rejeites, não me abandones. Nós podemos voltar a ser um, nós podemos ser felizes, eu sei, eu sei, por favor, tu sabes que sim, que podemos, por favor não me deixes, não me deixes ficar
aqui
s o z i n h a
por favor
Ouve-me, ouve-me apenas, eu preciso de ti para viver, entendes? Eu preciso, eu não queria precisar, eu tentei a sério que sim, mas não consegui, eu preciso de ti e se tu me deixas
eu
m o r r o
tens de ficar, só hoje, só hoje, eu vou ser forte e eu depois consigo, eu consigo, mas fica, só hoje, por favor
fica
c o m i g o.
Não! Não me vires as costas, não não vás NÃO por favor, não vás não me deixes ficar aqui sozinha, fica comigo, fica, fica
Não me deixes
por
f a v o r

Caminhou lentamente pela estrada envergando apenas uma camisa larga e comprida que não lhe pertencia mas que tinha o cheiro que ela não queria perder. Entalado nos dedos um cigarro que lhe inebriava os sentidos e lhe preenchia o vazio que era o seu ser. Sentou-se no gradeamento e contemplou o azul negro que se espraiava lá no fundo. Trauteava baixinho um refrão, sempre o mesmo sem parar. Deu a última passa no cigarro e soltou a beata no ar. Na mão esquerda uma fotografia. Olhou-a, deu-lhe um longo beijo e sussurrou-lhe “agora não preciso mais”. Apertou-a contra o peito e deixou-se tombar.

“Não me esqueci, não antevi, não adormeci o meu vício de ti”
Mesa

[link]

Bebi atónito a garrafa sozinho por João Meirinhos

Bebi atónito a garrafa sozinho,
foi como margarina a escorrer castidade
tapando as falhas no tronco da palmeira
que, de súbito, se transformará em pedra
e, mais tarde, quererá outro suco colorífico
para as truculentas engrenagens do humor
se descontrairem e sobreviverem a prumo
os não lavrados cultivos de pousio coado.

Acontece e gaguejo a tropeçar, cocoba,
às vezes, sem saber ou quando alguém
faz anos quebro tijolos com os caninos
e acordo maquilhado, vestido de marinheiro
com a tatuagem “a morte não é o fim”
desenhada a lapiseira no escroto rosa.

Com a alba cantada vinda do celeiro
pus-me a pé em direcção à estação,
num coreto de circo, rodeado de caganita
de pomba e minha mochila revistada,
ouvi a memória curta magoar um cãozinho
de orelhas arrebitadamente estrábicas,
devido ao permanente pânico que deve
ser estar habituado a ser alimentado
por tamanha besta selvagem e indomável.

Ainda hoje se vinga dos maus-tratos
que o fascismo lhe infligiu, traumatizado pelos
homicídios aos camuflados inimigos políticos,
em cada relance azarento, quando se cruza
com o vidro da loja de artesanato, vê-os.

Viciado a omnipotentes direitos solitários,
é o cozinheiro colonial sem culpa, sensibilizado
para a ignorância, agora vende estórias de graça
retidas nos pulmões dos pormenores perdidos,
grave comunicação incomodativa, somente interesse
por chaminé ilegal, de poliester, inocente, um dia
expande-se na firme trela da decisão que
já actua sozinha, emperrada hipocondria, escalando
sempre a mesma duna angolana, lá adormeceu
em choque, irradiando olhares distorcidos
a inalar o carvão das baionetas enferrujadas,
foram as visões de verdade da criança adulta
relembrando sua sofregidão paralizada em Sines.

A digestão foi interrompida pela melancia
do minotauro em guerra, delira com contacto
que o alucine da realidade até à campainha das
flores de beladonna, brancos pimentos que boiam
a pedido e ornamentam nosso licor que aceita
mas receia, atento à incapacidade cognitiva,
enquanto que, o cachorro Pirata que o acompanha
olha o vazio saturado, tentando desfocar
as vistas iluminadas pelo candeeiro fundido
de sua desistência, jovens em férias ouvem
rádio no bar em frente e encevadam a liberdade,
sem saberem do passado reaccionário do edifício.

Só com quem todos gozam e evitam falo eu,
mais vale a piadas farpas que despovoam
por honra à segurança, rotulando com severidade
sorridente, para ver se me insiro nas afinidades
de camisas bem parecidas e borbulha espremida,
aqui deixado à deriva descobrem-se conteúdos
inesperados, a dolorosa resistência que assombra
catacumbas de camaradas perdidos à floresta,
exasperei escutando labaredas oclusas de esperança
pois, clama por ferrolhos endógenos cerrados
que nenhuma candeia de vergonha contemporânea
pretende tão subterrânemente desenterrar, será que
mais valia ser peremptório e exclamar, crispado,
outra violência típica que recebe mal se aproxima:
“Desaparece daqui velho louco chôcho, estou
ocupado, cheiras mal e acabei de me perfumar!”

[link]

Fumar Mata por Celi M.



[link]