Friday, March 21, 2008

Holofotes por Styska

Sábado, sete e meia da manhã. Acordas com a luz que entra pela janela e inunda o quarto. Nada te sabe melhor que acordar com sol e desfrutar de uns minutos de preguiça na cama – esse luxo não te é permitido durante a semana. Atiras com os lençóis para trás e levantas-te com um sorriso nos lábios. Ligas o rádio e deixas que a música exerça o efeito conciliador que sempre teve em ti. Entras na casa de banho e olhas-te ao espelho. Toda a gente evita olhar-se ao espelho pela manhã mas tu sempre achaste piada ao reflexo matutino e abanas a cabeça como um leão sacode a sua juba! Sorris. Abres a água quente e despes o pijama ao som da música como se fizesses um striptease para alguém imaginário – a ideia agrada-te. Páras por um segundo para te olhares no espelho. Nunca foste um ícone de beleza mas o tempo tem-te tratado bem, passas a mão pelo ventre e pelos seios – uma mulher não deve ter um ar estéril. Entras na banheira e assim que corres a cortina atrás de ti tudo se transforma. As luzes baixam-se e focos vermelhos surgem no tecto iluminando todo o teu corpo. Acompanhas a música com movimentos ritmados e cantas livremente. O chuveiro na tua mão é, na verdade, um microfone, o som da água é o público que te aplaude. E a água quente escorre pelo teu corpo incendiando os teus sentidos, misturando-se com o sabão, o champô, e tu cantas a plenos pulmões como se não houvesse mais nada neste mundo. Desligas a água, corres a cortina e tudo volta ao normal. O sol brilha radiante lá fora. São sete e quarenta e cinco.


Sábado, oito e trinta e sete da noite. Mais um jantar. Sempre as mesmas pessoas, sempre as mesmas conversas. Todos os teus movimentos são observados, vigiados, julgados. Mesmo os que te são mais próximos não conseguem evitar fazê-lo! Está na hora. Levantas-te da mesa com um “Até já!” e sais do restaurante em direcção ao teatro. És sempre a primeira a sair e o curto caminho que separa o restaurante do teatro é a única altura do dia em que te é permitido um vago sentimento de anonimato. Chegada ao teatro vês que a fila já vai longa, bilhetes esgotados há meses, a maior sala de espectáculos do país. Sempre os mesmos palcos, sempre o mesmo público. Trocavas tudo sem pensar duas vezes! Entras pela porta de artistas e és imediatamente inundada com perguntas, pedidos, opiniões. Roupa, maquilhagem, cabelo, alinhamento, entrevistas rápidas, autógrafos para os amigos e as famílias… Respondes a tudo rápida e educadamente e entras o mais depressa que consegues no camarim. São assim todos os teus dias – não há tempo sequer para respirar. Afundas-te na cadeira e olhas-te ao espelho. É-te tudo tão pesado. Escondes as rugas e os olhos encovados atrás da maquilhagem. Despes a roupa. Observas-te longamente enquanto passas as mãos pelo ventre e pelos seios. Beleza infecunda – o tempo da felicidade já passou há muito. Escondes-te atrás de vestidos deslumbrantes. Soltas o cabelo e passas os dedos por algumas madeixas. Está na hora. Sais do camarim e, mais uma vez, chovem perguntas, informações, tudo… Apagam-se as luzes na sala. Sobes ao palco sem ninguém te ver, páras a meio. Um foco alaranjado acende-se sobre ti. Aplausos ensurdecedores. O contrabaixo dá o tom. Respiras – é aqui que a vida começa. São dez horas.

Styska
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1 comments:

so-eu said...

Não consigo elaborar uma crítica altamente fundamentada, só consigo dizer que gostei muito. Pela proximidade que senti à minha realidade(ou falta dela) talvez.

gostei mesmo muito.
Parabéns!
Diana